segunda-feira, 6 de junho de 2016

Tupã

O músico andino Léo Rojas. 

É considerado algo bem ousado, elegante e sofisticado, moderno e de bom gosto, usar nomes de deuses para batizar nossos filhos. Deuses gregos, nórdicos, romanos, e isso se tornou bem habitual ao longo dos tempos. Mas, por que não usamos divindades indígenas nesse hábito de nomeação? Apesar de Tupã  ser uma das divindades mais conhecidas em relação a mitologia indígena, poucos são os pais que se arriscam a usar seu nome.

Tupã , que na língua tupi significa trovão, é uma entidade da mitologia tupi-guarani. Os indígenas, na verdade, rezam a Iamandu, Nhamandú ou Nhanderuvuçu, que era sua divindade suprema (alma velha, em tupi) e Tupã  não é exatamente um deus, mas uma manifestação do deus na forma de trovão. A confusão foi feita pelos jesuítas, que imaginaram que Tupã  correspondia melhor ao deus cristão, e o utilizaram para fins de catequese. Na verdade, Nhanderuete, “o libertador da palavra original”, segundo a tradição mbyá, teria servido melhor ao que os catequizadores pensavam.

Tupã , como divindade suprema dos indígenas foi, então, uma adaptação para catequese. O conceito de Tupã  era o trovão (de tu-pá, ou tu-pana, golpe, baque, estrondo), sendo algo cujos efeitos e causas os índios temiam e desconheciam. Assim, como os índios temiam o trovão, era mais fácil usar do medo para catequizá-los, já que eles pensavam que era algo totalmente divino ou místico. Então, na verdade, antes dos jesuítas aparecerem e catequisarem os índios, Tupã  era um ato divino, o sopro da vida.

Para entender a coisa toda, é necessário ler um pouco sobre mitologia indígena:

De acordo com a lenda, após Nhanderuvuçú criar as almas e as águas (Iara), criou Tupã , responsável por controlar o tempo, o clima e os ventos. Por isso que os indígenas temiam os sons dos trovões e relâmpagos, pois pensavam ser Tupã  a manifestar-se negativamente sobre algo ou um mau presságio. Nesse sentido, podemos conferir a Tupã  o status de uma divindade secundária, como teria Apolo ou Ártemis na mitologia grega, em comparação à Hera e Zeus.

A figura primária na maioria das lendas guaranis da criação é Iamandu (ou Nhanderuvuçu ou Tupã ), o Deus trovão e realizador de toda a criação. Com a ajuda da deusa lua Jaci (ou Araci), Tupã  desceu à Terra num lugar descrito como um monte na região do Areguá, no Paraguai, e, deste local, criou tudo sobre a face da Terra, incluindo o oceano, florestas e animais. Também as estrelas foram colocadas no céu nesse momento.

Tupã , então, criou a humanidade (de acordo com a maioria dos mitos guaranis, eles foram, naturalmente, a primeira raça criada, com todas as outras civilizações nascidas deles) em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal e partiu. Qualquer semelhança com a mitologia hebraica e o mito da criação cristão é (ou não) mera coincidência?

Os humanos originais criados por Tupã  eram Rupave e Sypave, nomes que significam "Pai dos povos" e "Mãe dos povos", respectivamente (de novo, olha a semelhança com Adão e Eva). O par teve três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo guarani (Abel, é você?). O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete monstros legendários do mito guarani. Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas (Opa, acho que encontrei Caim!). Ele, eventualmente, cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressuscitado como um caranguejo, e, desde então, todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.

Entre as filhas de Rupave e Sypave, estava Porâsý, notável por sacrificar sua própria vida para livrar o mundo de um dos sete monstros lendários, diminuindo seu poder (e portanto o poder do mal como um todo). Ah, claro, no mundo cristão, não são admitidas divindades femininas, portanto, aqui não encontraremos semelhanças. Crê-se que vários dos primeiros humanos ascenderam em suas mortes e se tornaram entidades menores.

Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação ou espírito do mau chamado Tau (em tupi antigo, Taúba ou Taubymana). Juntos, eles tiveram sete filhos, que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy (Araci ou Jaci), e todos, exceto um, nasceram como monstros horríveis.

Os sete são considerados figuras primárias na mitologia guarani e, enquanto vários dos deuses menores ou até os humanos originais são esquecidos na tradição verbal de algumas áreas, estes sete são geralmente mantidos nas lendas. Alguns são considerados reais até mesmo em tempos modernos, em áreas rurais ou regiões indígenas.

Assim, Tupã acabou sendo mais usado como topônimo do que como nome próprio. Temos um município de São Paulo chamado Tupã, e além desse temos outros vários compostos com o nome: 1) Tupaciguara ("terra da mãe de Deus", através da junção dos termos tupã ("Deus"), sy ("mãe") e kûara ("terra") (MG), 2) Tupanatinga (PE), 3) Tupanci do Sul ("Mãe de Deus") (RS), 4) Tupanciretã ("terra da mãe de Deus", através da junção dos termos tupã ("Deus"), sy ("mãe") e retama ("terra") (RS), 5) Tupandi (RS), 6) Tuparendi (significaria “Luz de Deus”, em tupi) (RS), 7) Tuparetama (pátria de Deus, o céu. De 'tupã': Deus; e 'retama': lugar natal, pátria) (PE), 8) Tupãssi ("mãe de Tupã") (PR);

Apesar de ser pouco utilizado como nome próprio, a lista de São Paulo, divulgada pela Arpen/SP, do ano de 2015, sinaliza o registro de dois meninos chamados Tupã. Então, duas famílias paulistas tem um pequeno “deus do trovão” em suas casas. Ele é incomum, mas sua terminação é idêntica à de Cauã/Kauã. Além disso, parece ser um bom coringa com um significado legal para ser usado em compostos.


Há apenas 72 pessoas chamadas Tupã no Brasil, e a maioria deles, precisamente 35 deles, no estado do Amazonas – onde, inclusive, é o local onde os indígenas ainda conseguem manter os seus costumes protegidos pela floresta amazônica – mas não há dados dizendo em que década foram registrados. Não fazemos ideia portanto, se os Tupã existentes no Brasil são senhores idosos ou jovens. 

Aqui vão algumas sugestões:
Raoni Tupã ou Tupã Raoni (dois nomes indígenas)

Ravi Tupã ou Tupã Ravi (o deus sol indiano mais o deus trovão dos indígenas, parece uma boa mistura). 

Tupã Ravel 
Levi Tupã 



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7 comentários:

  1. Nunca tinha pensado nesse nome, mas depois de ler o texto, algo está despertando aqui sobre Tupã! É realmente muito bom!

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  2. Muito legal, os nossos deuses indígenas também devem ter reconhecimento! Acho Tupã um nome muito legal, adoraria ver mais Tupãs nascendo>

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  3. Se formos pensar, o deus dos cristãos chegou aqui junto com as naus portuguesas, desembarcou e desbancou uma mitologia reinante tão rica e detalhada! E por causa dessa ideia de “paganismo” ninguém se preocupou de registrar tudo com a riqueza de detalhes que merecíamos! Triste história.

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  4. Eu acho que Tupã já vem sendo usado razoavelmente como segundo nome. As pessoas ainda não estão com coragem de usar como primeiro nome, mas é só uma questão de tempo

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    1. Sim, é falta de hábito. Mas se usam nomes de deuses de outras culturas não vejo por que não possam se acostumar com um deus da mitologia tupi

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  5. Acho muito válido usar como nome, assim como Tupi também cairia muito bem como nome próprio. Me soa muito bem.

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    1. Verdade Michael. Você acha melhor Tupi como feminino ou masculino?

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